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TRABALHISTA - 18 DE MAIO DE 2020
BOA-FÉ CONTRATUAL NAS RELAÇÕES DE TRABALHO
DURANTE E PÓS-PANDEMIA DA COVID-19

Em tempos de pandemia e de quarentena, com o fechamento forçado da maior parte dos negócios, as empresas lutam para sobreviver diariamente, na remodelação relâmpago para a forma digital de seus negócios, na busca de crédito num mercado financeiro arredio a riscos e onde não existe nenhuma segurança quanto ao futuro, e também por meio da readequação repentina e brusca das rotinas de trabalho de seus empregados.

 

Estes ou conseguem realizar as suas atividades por meio de home office, quando se sabe que essa não era a cultura de trabalho predominante em nosso país (com notória perda de produtividade, ao menos num primeiro momento), ou desenvolvem trabalhos essenciais, que não comportam essa modalidade e, por isso, então, devem ser exercidos em meio ao risco constante de contaminação pela COVID-19, com o afastamento obrigatório desse ambiente somente de pessoas classificadas nos chamados grupos de risco à doença, com mazelas crônicas ou idade avançada.

 

E justamente para auxiliar as empresas na readequação de rotinas de trabalho e, ao mesmo tempo, visando ajudar a salvar muitos empregos em meio a toda essa crise, foram editadas recentemente, como é sabido, pelo Governo Federal, normas que autorizam a suspensão ou a redução temporárias de contratos de trabalho, com a consequente redução de custos pelas empresas e a assunção de parte dos mesmos pela União Federal, que passou a pagar um auxilio emergencial temporário aos empregados abrangidos por tais medidas.

 

Tudo isso em um ambiente salutar de livre negociação, privilegiada ao máximo em meio a essa crise, inclusive corroborada pela recente declaração de constitucionalidade de tais medidas excepcionais e temporárias, pelo Supremo Tribunal Federal.

 

Pois bem, a despeito de todo esse ambiente de livre negociação, de mútua colaboração, entre empresas e empregados, com o objetivo comum de atravessar esse momento crucial de nossa história, com o menor prejuízo possível a todos, podem ainda existir pessoas mal intencionadas, que venham a querer obter vantagens indevidas em meio a toda essa crise de saúde e econômica, por meio de pedidos indevidos na Justiça do Trabalho, de desconsideração dos mencionados acordos celebrados durante a pandemia.

 

E isso sob o argumento de suposta imposição e não negociação dos acordos individuais ou coletivos, ou ainda de suposta execução de trabalhos em cargas horárias maiores do que as declaradas em tais acordos, quando isso de fato não ocorreu. Podem também existir, infelizmente, empregados totalmente munidos de má-fé, que venham a exigir indenizações por conta de contaminações pela COVID-19 sofridas, em meio a uma pandemia, tentando responsabilizar as empresas, a despeito de todos os esforços adotados pela mesma para a preservação da saúde de seus colaboradores.

 

Para enfrentar mais esse potencial problema, em meio a outros 1000 que o empresário brasileiro tem de se deparar na atualidade, não existe outra resposta que não a tão desejada e pouco praticada Boa-fé contratual nas relações de trabalho, que impõe ao Juiz do Trabalho que analise todas as circunstâncias de fato e o contexto dos fatos narrados em uma possível reclamação trabalhista.

 

Para que isso seja possível, o empresário infelizmente deve fazer o que menos é compatível com a presunção de boa-fé das partes, desconfiar sempre da sinceridade da mesma.

 

Assim, deve, além de comunicar, guardar sempre as comunicações trocadas com seus colaboradores abrangidos pelos acordos, antes, durante e depois do período abrangido pelo acordo, em bases diárias se possível, de forma a evidenciar:

 

a) a liberdade que existiu quando da aceitação dos acordos (bastando para tanto mostrar que o empregado podia optar entre a demissão pura e simples, em vez de aceitar a suspensão ou redução temporárias);

 

b) o autocontrole da jornada de trabalho dos empregados em home office;

c) o cumprimento de horários reduzidos, quando o caso, em atividade presencial.  

 

Para as atividades desenvolvidas presencialmente no ambiente da empresa, deve esta, adicionalmente, a fim de se preservar de quaisquer responsabilidades:

 

d) guardar registros, até mesmo fotográficos ou filmagens previamente autorizados, de todos os itens de proteção individual (EPIs) disponibilizados aos seus colaboradores, de todas as informações constantes fornecidas a todos, acerca de distanciamento mínimo e obrigatório entre as pessoas e sobre higiene constante, de forma a se evitar a contaminação pela COVID-19, no trabalho, no trajeto de casa ao trabalho e também em casa.

 

Por fim, as empresas devem ainda fornecer a sua força de trabalho e guardar a prova dessa comunicação, por quaisquer meios (inclusive pelo mais simples WhatsApp), acerca da:

 

e) necessidade de pronta informação acerca do aparecimento de quaisquer sintomas, mesmo leves, que percebam em si ou em quaisquer pessoas com as quais tenham mantido contato em casa ou em qualquer localidade, para a devida quarentena e preservação dos demais de risco de contágio.

 

Queremos acreditar que essa crise vai passar e que as relações de trabalho mantidas durante a pandemia, mesmo que temporariamente, até o limite das forças financeiras do empresariado, serão enriquecidas e fortalecidas por esse ambiente de liberdade, de mútua colaboração e de negociação entre empregados e empregadores acerca de seus direitos e deveres também.

 

Só que, infelizmente, temos de contar que uma boa parcela dessas relações deverá ser levada a questionamento perante a Justiça do Trabalho, que ainda é sabidamente bastante paternalista e calcada quase que integralmente na prova oral, produzida por testemunhas que muitas vezes não dizem a verdade e que combinam a mesma mentira entre si quando o interesse é comum ou relacionado.

 

Contra esse risco, o empresariado deve ter a sua prova, sempre que possível física, escrita, fotografada, filmada, registrada e detalhada, de todo o seu esforço para a manutenção desses empregos, mesmo quando o mais fácil seria a demissão, do exercício regular das atividades dos mesmos, em consonância com o que foi combinado entre as partes, e da sua preocupação com a manutenção do bem-estar de seus colaboradores.

 

Em suma, a boa-fé do empregador ainda deve, absurdamente, ser provada, não sendo a mesma presumida pela Justiça do Trabalho, como entendemos que deveria, como consequência lógica do primado da livre iniciativa, da liberdade do trabalho, da segurança jurídica, da presunção de inocência, e do devido processo legal, que urgem sejam amplamente aplicados às relações de trabalho em nosso país, principalmente em meio a uma crise sanitária que veio mudar definitivamente o modo como patrões e empregados se relacionam ou deveriam se relacionar.

 

Realmente é premente que não se tratem mais patrões e empregados como lados opostos e sim como integrantes de um mesmo time, onde a palavra de ordem seja a colaboração, verdadeira simbiose, sempre com boa-fé de ambos os lados, sendo a mesma presumida não somente por parte do empregado, mas também da empresa.

 

Perisson Andrade

Advogado tributarista e corporativo e profissional de compliance com certificação internacional - CCEP-I (Certified Compliance and Ethics Professional - Internacional). Sócio Fundador do escritório Périsson Andrade, Massaro e Salvaterra Advogados. Mestrando em Direito Internacional Tributário pelo IBDT. Especializado em Legislação Americana pela George Washington University Law School e pelo IUSLAW Institute, em Direito Societário pelo Ibmec-SP e em Direito Tributário pela FGV.