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REVISTA DE DIREITO TRIBUTÁRIO INTERNACIONAL - IBDT - EDIÇÃO 8 - FEVEREIRO DE 2021
PERISSON ANDRADE
Veja a versão original no site da Revista de Direito Tributário Internacional do artigo no link:
Resumo. O Brasil, além de signatário do GATT, é um dos mais ativos defensores na OMC, do sentido amplo, generoso, prático e finalístico, do princípio da não discriminação tributária, que impede assim a adoção de justificativas falsas, desproporcionais, materialmente desnecessárias ou inadequadas, para a oneração tributária de produtos e serviços importados de forma mais gravosa do que produtos nacionais, em manifesta reserva de mercado. Esse sentido, conferido pela OMC, às disposições do GATT, vincula o Estado Brasileiro e inclusive o seu Poder Judiciário. O artigo ora proposto irá fazer uma análise do papel do Brasil na construção da jurisprudência não discriminatória da OMC e da sua necessária vinculação a essa mesma jurisprudência.
Neste trabalho pretendemos fazer uma breve análise das normas de tributação do comércio internacional às quais o Brasil aderiu e concordou em seguir, em especial aquelas que informam o princípio da não discriminação tributária e da transparência (sem a qual a primeira não é possível), insertas no Acordo Geral de Comércio e Tarifas (General Agreement on Tariffs and Trade – GATT) e em todas as Rodadas de Negociações de tal acordo, em especial na Rodada do Uruguai, que resultou na criação da Organização Mundial do Comercio – OMC.
Veremos também como o referido princípio é interpretado pela Organização Mundial do Comércio – OMC, órgão internacional responsável pela sua interpretação, segundo o que foi acordado por todos os Estados signatários do GATT e inclusive sob a influência de defesas realizadas pelo Brasil, um dos países mais ativos em tal Organização, em diversos painéis onde se sagrou vencedora a sua defesa irrestrita e ampla da eliminação de qualquer imposição fiscal ou exigência que na prática revelasse uma discriminação do produto estrangeiro e uma proteção do produto, serviço e mercado local.
Finalmente, analisaremos o leading case do IPI-Revenda de Produto Importado, recentemente analisado pelo STF, com repercussão geral, de forma desfavorável aos contribuintes, onde prevaleceu, em nosso entender, o evidente tratamento tributário mais gravoso aos produtos de origem estrangeira, em descompasso com aquilo que defende a República Federativa do Brasil frente à OMC, corroborando-se, assim, agora também pelo Poder Judiciário, a incoerência do governo brasileiro quando defende uma interpretação ampla e generosa, finalística, axiológica, do princípio da não discriminação, perante a OMC, e, ao mesmo tempo, pretende proteger o mercado nacional, tentando mitigar tal comando.
Ocorre que essa incoerência de posicionamentos do governo brasileiro, infelizmente corroborado agora pela sua Suprema Corte, pode vir a prejudicar os interesses do próprio país, sendo de vital importância portanto a reabertura e o aprofundamento do debate aqui proposto. Senão vejamos.
Após a Segunda Guerra Mundial, vários países se reuniram e, visando reconstruir a economia mundial, decidiram criar uma regulação do comércio internacional.
Assim, na Conferência de Bretton Woods, em 1944, foram criados três organismos mundiais para a regulação e o fortalecimento da economia no mundo: o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (hoje Banco Mundial), e a Organização Internacional do Comércio (OIC), que regularia as relações comerciais entre os países.
Esta última, com a função de coordenar um novo acordo global de comércio internacional, acabou não se concretizando, na medida em que a Convenção de Havana, onde seus objetivos e atribuições seriam fixados, não foi ratificada pelos Estados Unidos da América, sendo, em seu lugar, assinado o Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (General Agreement on Tariffs and Trade – GATT), em 1947, entre 23 países 1.
O GATT (General Agreement on Tariffs and Trade – GATT) ou Acordo Geral de Comércio e Tarifas, surgiu assim, em caráter pragmático, muito mais do que um mero acordo e sim quase como um verdadeiro órgão internacional, com sede em Genebra, na Suíça, cuja finalidade era intensificar rapidamente o comércio internacional, para que o mundo voltasse a crescer após a guerra, por meio da retirada gradual de barreiras às importações de produtos, com a imposição também gradativa de limites à liberdade plena dos países para protegerem os seus mercados nacionais.
O principal objetivo do GATT era a diminuição das barreiras comerciais e a garantia de acesso mais equitativo aos mercados por parte dos seus signatários, por meio da adoção dos seguintes princípios: (i) não discriminação – que contempla as cláusulas do tratamento nacional e da nação mais favorecida, (ii) transparência (vital, pois obriga os membros a dar publicidade de todas as normas e decisões internas relacionadas ao comércio internacional, de modo a serem conhecidas por seus destinatários, possibilitando o controle por todos da não discriminação) e conferindo previsibilidade ao sistema, (iii) redução geral e progressiva das tarifas, (iv) proibição de medidas não alfandegárias, (v) flexibilização em caso de urgência, (vi) consulta à ação coletiva, e (vii) reconhecimento dos processos de integração 2.
A Rodada Uruguai (1986 – 1994) foi a última rodada de negociações finalizada e mais abrangente, já que a rodada de Doha, no Catar, iniciada em 2001, até hoje está em aberto, sem definições, em decorrência de impasses relativamente aos subsídios agrícolas da Europa e, depois, com a onda de protecionismos que se sucedeu à crise financeira mundial de 2008. E, mais recentemente, com a onda protecionista gigante chamada Trump, que veio de vez mudar o formato de tal órgão e da forma como se negociam acordos comerciais no mundo, ao que parece principalmente com base no argumento da força econômica, mais do que na força do argumento econômico.
Um dos resultados da Rodada do Uruguai foi a criação da Organização Mundial do Comércio – OMC, em funcionamento desde 1995, com sede também em Genebra, e hoje com 164 países-membros.
Com a OMC, surge então um foro de solução de controvérsias entre os seus membros, que antes de tudo estimula a negociação, porque suas decisões (emitidas pelo seu Órgão de Solução de Controvérsias e pelo seu Órgão de Apelações), embora não sejam dotadas de meios de imposição coercitiva aos vencidos, acabam comprometendo ainda mais os seus membros do que se tivessem essa coercibilidade, já que os países vencedores podem impor sanções imediatas aos perdedores, na forma de retaliações tarifárias, o que acaba persuadindo a composição, como comenta Vera Thorstensen:
“O que se afirma é que, agora, a OMC ‘tem dentes’. Tal afirmação significa que, agora, a OMC tem poder para impor as decisões e permitir que os membros que ganham a controvérsia possam aplicar retaliações aos membros que mantenham medidas incompatíveis com as regras da OMC. […] Outra novidade é o estabelecimento de um Órgão de Apelação, e tem como função verificar os fundamentos legais do relatório do painel e das suas conclusões.” 3
Vejamos, agora, mais no detalhe, o princípio da não discriminação, que é a base de todo esse sistema de estímulo ao liberalismo econômico, e os seus desdobramentos.
O Brasil é signatário do Acordo Geral de Comércio e Tarifas (General Agreement on Tariffs and Trade – GATT), cujos signatários se obrigaram a não aumentar as suas tarifas de importação acima dos percentuais negociados.
“O propósito deste acordo é garantir maior certeza nas relações comerciais, por meio de um ‘teto’ nas tarifas que não pode ser ultrapassado, sob pena de obrigação de compensação entre os parceiros comercias afetados”, conforme bem resume Gustavo G. Vettori 4.
Ocorre que de nada adianta comprometer-se a não aumentar as tarifas de importação, para liberalizar e conferir maior certeza e transparência ao comércio internacional, enquanto, ao mesmo tempo, se mina esse acordo por meio da criação de tarifas, tributos ou exigências de qualquer tipo internas, que acarretem, na prática, uma maior oneração do produto importado e anulação dos efeitos do acordo.
É por isso então que o GATT tem como coração, responsável pela manutenção da saúde de todo o acordo, o princípio da não discriminação, que, ao lado da transparência, consiste em um compromisso inerente e tão importante quanto o de reduzir tarifas, posto que tal redução somente será efetiva se não houverem diferenciações de tratamentos entre produtos importados e produtos nacionais e também entre os Estados-membros, além das tarifas de importação previamente acordadas, de forma a que não se anule a própria utilidade do ajuste.
Gustavo Vettori destaca a importância desse princípio para a manutenção do GATT, ao considerá-lo a pedra de toque de todo o sistema:
“A pedra de toque desse sistema, e provavelmente o seu princípio mais relevante para medidas tributárias, é a não discriminação. Dividida em duas regras principais, a não discriminação tem como objetivo primordial garantir: (i) que as medidas de política comercial impostas por um país sejam aplicadas de maneira igual a todos os outros Estados membros (Tratamento da Nação Mais Favorecida, constante do Art. I do GATT; e, (ii) que não haja discriminação entre produtos nacionais e estrangeiros (Tratamento Nacional, constante do Art. III do GATT).
Assim, as regras de Tratamento da Nação Mais Favorecida e de Tratamento Nacional lidam com obrigações que visam a permitir que os produtos importados possam competir em condição de igualdade entre si e com os nacionais. Desse modo, evitam que os compromissos de tarifas assumidos sob o acordo sejam esvaziados por meio de medidas internas discriminatórias.” 5
Por sua vez, como adiantado acima por Gustavo Vettori, o princípio da não discriminação se materializa em duas vertentes, quais sejam, as cláusulas que obrigam os Estados-membros a atribuírem aos produtos importados tratamento idêntico ao que é conferido aos mesmos produtos ou similares nacionais (tratamento nacional), e, também, conferir igualdade de condições aos produtos oriundos dos Estados-membros, estendendo a todos condição mais benéfica, vantajosa que for conferida a uma das nações participantes (nação mais favorecida).
Sobre o Tratamento da Nação Mais Favorecida, a regra do art. I:1 do GATT exige que:
“Qualquer vantagem, favor, imunidade ou privilégio concedido por uma Parte Contratante em relação a um produto originário de ou destinado a qualquer outro país, será imediata e incondicionalmente estendido ao produto similar, originário do território de cada uma das outras Partes Contratantes ou ao mesmo destinado.”
E especificamente sobre o Tratamento Nacional, o art. III.1 do GATT assim estabelece:
“impostos e outros tributos internos, assim como leis, regulamentos e exigências relacionadas com a venda, oferta para venda, compra, transporte, distribuição ou utilização de produtos no mercado interno e as regulamentações sobre medidas quantitativas internas que exijam a mistura, a transformação ou utilização de produtos, em quantidade e proporções especificadas, não devem ser aplicados a produtos importados ou nacionais, de modo a proteger a produção nacional.”
Por outro lado, o art. III:2 determina que:
“Os produtos do território de qualquer Parte Contratante, importados por outra Parte Contratante, não estão sujeitos, direta ou indiretamente, a impostos ou outros tributos internos de qualquer espécie superiores aos que incidem, direta ou indiretamente, sobre produtos nacionais. Além disso nenhuma Parte Contratante aplicará de outro modo, impostos ou outros encargos internos a produtos importados nacionais, contrariamente as principais estabelecidas no parágrafo 1.”
Por último, o art. III:4 fixa que:
“Os produtos de território de uma Parte Contratante que entrem no território de outra Parte Contratante não usufruirão tratamento menos favorável que o concedido a produtos similares de origem nacional, no que diz respeito às leis, regulamento e exigências relacionadas com a venda, oferta para venda, compra, transporte, distribuição e utilização no mercado interno. Os dispositivos deste parágrafo não impedirão a aplicação de tarifas de transporte internas diferenciais, desde que se baseiem exclusivamente na operação econômica dos meios de transporte e não na nacionalidade do produto.”
Vê-se, assim, que o princípio da não discriminação materializa uma verdadeira proibição a qualquer protecionismo do mercado nacional em relação aos produtos importados. Na mesma obra antes citada, Vettori conclui: “Essa regra impede que os estados membros adotem medida que tenham como efeito outorgar uma vantagem injusta a produtos nacionais em relação a produtos importados…” e, “Mais importante, a regra de tratamento nacional reconhece que a aplicação de tributos internos de maneira discriminatória impediria o objetivo principal de promover o comércio internacional livre e justo.” 6
Portanto, não basta para a verificação da adimplência do GATT por um Estado-membro que este cobre tarifas nominais na importação até o teto máximo previamente acordado. Essa redução de tarifas deve ser real e efetiva e ser o único diferencial tributário/tarifário entre o produto importado e o produzido nacionalmente, de forma a que não se viole, por via transversa, o espírito do acordo de tarifas e comércio.
Excepcionalmente, as regras do GATT, em seu art. XX, permitem a imposição de barreiras tributárias por questões de políticas públicas visando à saúde coletiva, à proteção de recursos naturais não renováveis, ao desenvolvimento de determinadas regiões, desde que respeitada a vedação ao protecionismo puro e simples, isto é, desde que as medidas discriminatórias, protetivas guardem nexo causal com as proteções almejadas, na medida de sua necessidade e falta de alternativa não discriminatória, ou seja, em suma, de acordo com a realidade e proporcionalidade, enquanto for essencial e indispensável a medida de diferenciação e o efeito da medida resultar de fato no objetivo esperado dela decorrente 7.
Portanto, qualquer tratamento diferenciado e mais gravoso, imposto a produtos importados de países signatários, que não tenha como justificativa real, razoável, proporcional quaisquer das exceções elencadas no art. XX do próprio acordo, importará em violação ao GATT, como muitas vezes já analisou e decidiu, inclusive a pedido do Brasil, a Organização Mundial do Comércio, por meio de suas consultas, painéis e julgados do seu Órgão de Solução de Controvérsias e respectivo Órgão de Apelações, intérprete máximo do sentido das cláusulas do mencionado acordo e das normas de comércio internacional, de acordo com o que foi acordado por todos os Estados-membros, que conferiram tal poder a tal organismo internacional.
Senão vejamos.
O Brasil é um dos Estados-membros mais atuantes na OMC, tendo sempre defendido com garra a aplicação ampla, generosa, teleológica, finalística e pragmática, do princípio da não discriminação, em especial do tratamento nacional, sempre refutando quaisquer argumentos e justificativas em sentido contrário.
Com efeito, o Brasil é um dos países que mais vitórias obteve nos painéis abertos contra a discriminação de seus produtos importados por outros membros da OMC e signatários do GATT, em decisões proferidas pelo Órgão de Solução de Controvérsias e pelo Órgão de Apelações.
Um dos casos mais emblemáticos a esse respeito, que dá a exata noção da amplitude da interpretação finalística do princípio da não discriminação, conferida pelos órgãos de julgamento da Organização Mundial do Comércio e defendida pelo Brasil, é o painel “EUA – Gasolina” 8.
Com efeito, em 1995, após consultas formais da Venezuela e do Brasil terem sido rejeitadas, referidas nações propuseram no Órgão de Solução de Controvérsias da OMC a abertura de um painel sobre a imposição de restrições, pelos Estados Unidos, à importação de gasolina desses países.
As restrições consistiam na exigência de um determinado padrão de qualidade da gasolina importada, pela Agência de Proteção Ambiental norte-americana, quando entrou em vigor a nova legislação dos EUA sobre o controle de poluentes, o “Clean Air Act’’, em 1995, justamente o primeiro ano de funcionamento da OMC.
Ocorre que, muito embora com a justificativa ambiental, amparada nas exceções do art. XX, alíneas “b”, “d” e “g” (3), do GATT, a exigência mais rigorosa do padrão de qualidade somente era feita em relação à gasolina importada, sendo menor o padrão de qualidade exigido do produto nacional.
O painel foi julgado favoravelmente à reclamação do Brasil e da Venezuela, pois o Órgão de Apelações da OMC entendeu que realmente existia no caso uma discriminação evidente, por meio de uma “restrição disfarçada’’ ao comércio internacional. A partir desse resultado, as partes negociaram um acordo e a restrição foi retirada pelos Estados Unidos, em 1997.
Por outro lado, no mesmo sentido dessa decisão emblemática, a OMC também julgou outros casos em que o princípio da não discriminação foi analisado em sua acepção mais ampla, a de assegurar as expectativas de concorrência equilibrada de produtos importados com os produtos nacionais, sem a possibilidade de se conferir qualquer restrição disfarçada para tanto.
Podemos citar aqui os casos “Japan – Alcoholic Beverages II” 9 e “Korea – Alcoholic Beverages” 10, em que se analisou o conceito de similar ao produto nacional de forma também abrangente, no sentido de similaridade não física e sim econômica, de substituição de consumo pelo mercado consumidor, proibindo-se qualquer discriminação tarifária de bebidas alcóolicas destiladas que concorriam com o destilado nacional de tais países.
Também é importante destacar que o Brasil, recentissimamente, em 16 de outubro de 2018, acionou novamente a OMC, formulando pedido formal de consulta à China, onde pleiteia justamente explicações com base na alegada violação dos princípios da não discriminação e da transparência, e seus desdobramentos, em especial atinentes à faceta do tratamento nacional.
Com efeito, o Brasil questiona as imposições tarifárias e de cotas de importação de açúcar, consideradas discriminatórias, impostas pelo grande dragão chinês, desde maio de 2017, com a justificativa de proteger a economia local e os camponeses que dependem da produção nacional do mesmo item. Em maio do ano passado, a China impôs restrições às importações de açúcar e aumentou as tarifas para os três anos seguintes (de 45% no primeiro ano, 40% no segundo e 35% no terceiro), atingindo em cheio os embarques de açúcar do Brasil para aquele país 11.
De tudo isso, conclui-se que a OMC, órgão responsável, por força de Tratado do qual o Brasil é signatário, o GATT, a dizer o sentido do princípio internacional da não discriminação e em especial do tratamento nacional, declarou e pacificou – se assim pudermos dizer – e com a ajuda e força do Estado Brasileiro, que não pode haver qualquer tentativa de oneração do produto importado (financeira ou burocrática, fiscal, extrafiscal, ou de qualquer ordem), em discrepância ao tratamento que é exigido do mesmo ou similar produto nacional, sendo que, qualquer justificativa para tentar enquadrar a discriminação eventual em qualquer das exceções do art. XX do GATT tem de ser proporcional, razoável, necessária, imprescindível e, principalmente, real, sendo a análise da OMC muito mais do que simplesmente jurídica, e sim econômica, quanto aos efeitos práticos, tanto da discriminação pretendida e implementada como da justificativa utilizada para tentar contorná-la, e seus efeitos.
Dessa forma, por conta da vinculação do Brasil com os compromissos por ele assumidos em Tratados firmados no âmbito do GATT e da OMC, e da coerência com as posições que defende perante os órgãos de solução de controvérsia e julgamento da OMC, deve o Estado Brasileiro seguir o mesmo critério, para não impor quaisquer discriminações ou tratamentos mais gravosos a produtos importados de países signatários do GATT e da OMC, sob pena de contrariedade aos princípios da boa-fé e do pacta sunt servanda, insculpidos na Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados Internacionais.
As Cortes Superiores do Brasil, já de muito tempo, vêm fazendo valer o princípio da não discriminação e a cláusula do tratamento nacional, impondo tratamento isonômico entre produtos nacionais e importados de signatários do GATT, com o afastamento de imposições tributárias ou não que violem esse princípio.
Isso por conta do mandamento constitucional do art. 5º, § 2º, da Constituição Federal de 1988, que assim determina:
“Art. 5º
[…]
§ 2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.”
E por conta da regra complementar, do art. 98 do Código Tributário Nacional, verbis:
“Art. 98. Os tratados e as convenções internacionais revogam ou modificam a legislação tributária interna, e serão observados pela que lhes sobrevenha.”
Nesse sentido, vale citar precedente do Colendo Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do EREsp n. 696.713 12, no qual se discutia a tributação na importação do bacalhau e de produto nacional similar, o qual influenciou e influencia até hoje diversos precedentes no mesmo sentido naquela Corte.
Em referido julgamento, o E. STJ entendeu que a redução da base de cálculo do ICMS concedida pelos Estados nas operações de vendas realizadas no país com o produto nacional similar também seriam aplicável ao bacalhau importado, em observância ao princípio da não discriminação.
Assim, o mesmo tratamento conferido ao produto nacional foi conferido ao produto importado.
Por outro lado, o Plenário do Egrégio Supremo Tribunal Federal já decidiu também que as isenções tributárias firmadas pela União, na qualidade de representante internacional da República Federativa do Brasil, em tratados internacionais, são oponíveis e devem, portanto, ser respeitadas por todos os entes da Federação 13.
Por fim, cumpre também destacar as Súmulas dos Tribunais Superiores sobre o assunto e especialmente sobre o GATT:
Súmula STF n. 575: “A mercadoria importada de país signatário do GATT, ou membro da ALALC, estende-se a isenção do imposto de circulação de mercadorias concedida a similar nacional.”
Súmula STJ n. 71: “O Bacalhau importado de país signatário do GATT é isento do ICMS.”
Súmula STJ n. 20: “A mercadoria importada de país signatário do GATT é isenta do ICM.”
Mais recentemente, a Primeira Seção do E. Superior Tribunal de Justiça analisou, em sede de recurso repetitivo inclusive, o princípio da não discriminação de ambos os lados, para fixar que, uma vez reonerada a produção nacional, deve o produto importado ser reonerado também para justamente se restabelecer a isonomia de tratamentos e a não discriminação.
Com efeito, em caso no qual se analisou justamente o período de vigência da isenção do ICMS sobre a importação de um produto similar ao nacional, a referida Corte limitou a isenção pretendida sobre o produto importado ao período exato de vigência do benefício concedido ao produto similar nacional 14.
Para o produto importado, então, conforme amplamente decidido pelos Tribunais Superiores do Brasil não é permitido impor tratamento mais oneroso, sendo certo, por outro lado, também, que o país importador também não é obrigado a conceder um tratamento mais benéfico ao produto importado do que o produto interno.
É esse então o mesmo entendimento e sob o enfoque da necessária igualdade de tratamentos e da não discriminação, que devem ser analisadas quaisquer discussões jurídicas acerca dos tributos devidos na importação de produtos de países signatários dos acordos comerciais internacionais firmados pela República Federativa do Brasil.
Só que a igualdade de tratamentos entre produtos importados e produtos nacionais não pode sofrer a limitação de seu conteúdo sob pena de se colocar em xeque o próprio princípio da não discriminação. E o sentido e o alcance desse conteúdo da igualdade e da não discriminação devem ser buscados naquilo que é defendido pela própria República Federativa do Brasil, na negociação de seus Tratados Internacionais e, principalmente, na defesa dos interesses do Brasil junto à Organização Mundial do Comércio, em diversos casos, como visto acima.
Só que contrariando essa jurisprudência existente até então como visto, o Plenário do Supremo Tribunal Federal recentemente analisou leading case, no qual de fato permitiu que a União Federal aplicasse tratamento tributário diferenciado a produtos estrangeiros. Isso por meio do IPI, cobrado na importação e na revenda de produtos importados sobre os quais não existe qualquer procedimento de industrialização no Brasil, como veremos a seguir.
De fato, como visto acima, o Brasil não só está vinculado, por conta da boa-fé e do pacta sunt servanda (insculpidos na Convenção de Viena do Direito dos Tratados), como defendeu sempre, como Nação, o mesmo entendimento da OMC acerca do princípio da não discriminação e do seu corolário do tratamento nacional.
E assim também já decidiram o STJ e o STF em casos concretos em que foi identificada a discriminação de tratamentos em relação ao produto importado. Ocorre que ainda assim existem uma série de situações em que é exigido do produto importado um gravame interno ou na fronteira muito superior ao cobrado dos produtos nacionais idênticos ou similares.
E, infelizmente, mais recentemente, as Cortes Nacionais não vêm seguindo a sua tradição de respeito aos Tratados Internacionais, e em especial do GATT, no afastamento de tratamentos tributários diferenciados para produtos importados, ao que parece cedendo à grita de interesses protecionistas nacionais, o que, em última instância, deve prejudicar o país, a Nação Brasileira enquanto negociante internacional, e todos os cidadãos brasileiros que perdem em termos de acesso ao mercado e a produtos internacionais de qualidade, tecnologia e preço melhores, que, em última análise, forçam o desenvolvimento interno e não o contrário.
Foi exatamente o que ocorreu no julgamento recente, pelo STF, no Recurso Extraordinário n. 946.648, do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI, cobrado na revenda de produtos importados, sem a execução de qualquer modalidade de industrialização efetiva posterior à importação.
De fato, o IPI é cobrado nessas situações em descompasso com o valor cobrado sobre o mesmo produto, do comerciante atacadista nacional, não industrial. Isto na medida o produto nacional é onerado somente uma vez, quando adquirido pelo comerciante local diretamente da fábrica, contribuinte do IPI, sendo que, na sua revenda, com a margem de lucro do atacadista, não há a incidência do IPI novamente, já que o comerciante atacadista não é contribuinte de tal tributo.
Por outro lado, o produto importado é onerado não somente no seu valor de importação – até aí, compativelmente com o ônus do produto nacional ao sair da fábrica para o comerciante atacadista – mas também sobre a margem de lucro do importador do produto, quando da sua venda no mercado interno, por conta da sua equiparação pela legislação do IPI a um estabelecimento industrial, contribuinte desse imposto.
Isso inegavelmente acarreta uma oneração muito mais gravosa do IPI – mais do que dupla (porque envolve a margem de lucro da segunda etapa também – sobre o produto importado, não havendo sequer qualquer tentativa do legislador de dar um condão legalidade a essa discrepância matemática de tratamentos. Aqui simplesmente se tributa mais e não se dá nem conta dos compromissos do Brasil firmados no âmbito do GATT e da OMC.
Sobre a inconstitucionalidade do IPI-Revenda de produtos importados, vale aqui ainda transcrever o ilustre e já saudoso Dr. Gerd Willi Rothmann, em artigo sucinto mas preciso, publicado em 29 de outubro de 2018, na revista eletrônica Consultor Jurídico, intitulado “A inconstitucionalidade da incidência do IPI na revenda de produtos importados”:
“Justo quando o país se dedica à análise dos programas de governo dos candidatos à Presidência da República e uma reforma tributária, com menos custos e burocracia, fortalecimento da economia nacional, nos deparamos com flagrante violação a diversos princípios constitucionais que deveriam nortear o sistema tributário nacional. Em decisão proferida nos Embargos de Divergência em Recurso Especial 1.403.532/SC, o Superior Tribunal de Justiça decidiu pela incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) na simples revenda de produtos importados – o que nada mais é senão a dupla incidência do mesmo tributo.
No caso dos produtos importados, o próprio entendimento do Supremo Tribunal Federal é que o ciclo de industrialização termina com o desembaraço aduaneiro do produto importado, a não ser que seja revendido a industrial para continuar num processo de industrialização (RE 753.651/PR). Portanto, é completamente descabido deduzir que isso possa abranger, também, o comerciante que realize operações relativas à circulação de mercadorias, sejam elas nacionais ou importadas/nacionalizadas, industrializadas ou não. Exigir o pagamento do IPI em operações de comercialização, fora do ciclo de industrialização, constitui flagrante violação da discriminação constitucional das rendas tributárias e invasão inconstitucional de competência de estados e Distrito Federal de sujeitá-las ao ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias).
A decisão do STJ também fere os princípios constitucionais da isonomia, neutralidade tributária e da livre concorrência, tendo em vista que a carga fiscal que onera o produto importado é muito maior que a incidente no produto nacional. Além do próprio IPI e do ICMS, comuns a ambos, o produto importado ainda é alcançado pelo Imposto de Importação, pelas contribuições do PIS e Cofins-importação, Cide-importação, Adicional de Frete para Renovação da Marinha Mercante (AFRMM) e pela Taxa de utilização do Siscomex.
A carga excessiva da dupla incidência do IPI prejudica a neutralidade concorrencial do IPI, obrigando os importadores a praticar preços muito superiores aos de seus concorrentes nacionais. Cabe à própria indústria brasileira tomar as medidas necessárias para garantir a competitividade de seus produtos e não repassar ao consumidor final do produto importado, que é o contribuinte de fato, o ônus da proteção do mercado de produtos nacionais.
A dupla incidência do IPI atinge, seriamente, a segurança jurídica em matéria tributária, tanto na esfera doméstica, em que fere o princípio da legalidade, afrontando dispositivo expresso do Código Tributário Nacional (artigo 51, III), como no âmbito internacional. O General Agreement on Tariffs and Trade (GATT) estabelece que o produto oriundo de países membros da OMC, signatários do GATT, como o Brasil, deve receber tratamento igualitário em face do similar nacional. Como este não sofre a incidência do IPI na fase de comercialização, o GATT proíbe essa tributação sobre a simples revenda de produtos importados.
Estudo técnico, elaborado pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), a pedido da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), constata que a eliminação da ‘dupla incidência do IPI’ não acarreta diminuição de arrecadação/receita, ao contrário, pode promover seu aumento pelo maior acesso de produtos importados pelas empresas e consumidores. Por outro lado, o estudo aponta uma série de consequências nefastas da dupla incidência do IPI, ilegal e inconstitucional: inexistência ou escassez do produto importado, ocasionando uma reserva de mercado, falta de concorrência, aumento de preço do produto nacional, redução de emprego em toda a cadeia de valor e falta ou atraso de inovação tecnológica.
O consumidor brasileiro, já tão impactado pelo desemprego e endividamento, bem como os comerciantes, cujas possibilidades de investimento estão cada vez menores, ainda têm esperança de que o STF, nesta quarta-feira (31/10), reconheça a inconstitucionalidade da dupla incidência do IPI, no desembaraço aduaneiro e na simples revenda do produto importado. Seus ministros, certamente, saberão desempenhar a responsável função de guardiões da Constituição Federal e de seus princípios, restabelecendo a segurança jurídica e protegendo o consumidor brasileiro contra a tributação ilegal e inconstitucional.” 15
E essa matéria foi recentemente julgada pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, em sede de repercussão geral, nos autos do Recurso Extraordinário n. 946.648 16, sendo que o seu relator originalmente sorteado, Ministro Marco Aurélio, reconheceu, em seu voto vencido, a inconstitucionalidade da cobrança do IPI na revenda (operação subsequente à importação) de produto importado que não sofre no Brasil nenhum processo de industrialização, justamente em razão do princípio da não discriminação e da verdadeira burla que se faz ao mesmo, quando se tributa o IPI sobre a mera revenda no país de um produto importado por um importador/comerciante que não realiza qualquer processo de industrialização no país, em contraposição à inexistência de tal cobrança de um comerciante atacadista que adquire o mesmo produto ou similar de um produtor nacional:
“A nova incidência colocaria o produto nacional em vantagem relativamente ao similar importado, que já havia passado pela nacionalização e consequente tributação durante o desembaraço aduaneiro. Sob o pretexto de equiparar, desiguala. É conferido tratamento discriminatório ao ato de simples revenda do bem pelo importador, sobretaxando a atividade econômica e fazendo com que o IPI passe a incidir sobre a margem de lucro do importador ao comercializá-lo no mercado nacional. E, ao vulnerar a determinação prevista no artigo 150, inciso II, da Constituição Federal, conferindo tratamento mais gravoso ao produto importado do que àquele dado ao nacional, a incidência de IPI por ocasião da saída da mercadoria do estabelecimento importador para revenda acaba por resultar em violação ao pacto de tratamento não discriminatório disposto no Acordo GATT, do qual o Brasil é país signatário. A articulação considerada o princípio da não cumulatividade – ou seja, de que o contribuinte poderá creditar-se do valor recolhido quando do despacho aduaneiro – surge primária. É que, para tanto, a nova incidência pressuporia o beneficiamento industrial subsequente à importação e não a simples circulação – operação da mercadoria a gerar o ICMS da competência do Estado, da unidade da Federação. A inexistência de industrialização, de manipulação industrial em termos de beneficiamento do produto, de acréscimo sob o ângulo industrial, afasta a nova incidência, no que conclusão diversa foge ao figurino constitucional do tributo e, o que é pior, implica cobrança disfarçada, pela União, de IPI. Digo disfarçada ante o fato de a simples comercialização de produto importado – repita-se, sem beneficiamento industrial no território brasileiro – ser fato gerador do ICMS, da competência ativa do Estado. Ante o quadro, provejo o extraordinário para conferir aos arts. 46, inciso II, e 51, inciso II e parágrafo único, do Código Tributário Nacional interpretação conforme à Constituição Federal, declarando a inconstitucionalidade da incidência de IPI na saída do estabelecimento importador de mercadoria para a revenda no mercado interno, considerada a ausência de novo beneficiamento no campo industrial. Fixo como tese: ‘Não incide o Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI na comercialização, considerado produto importado, que não é antecedida de atividade industrial’.”
Todavia, prevaleceu em tal caso, por 6 a 4, o entendimento manifestado pelo voto do Relator para acórdão, Ministro Alexandre de Moraes, no sentido de que a oneração do IPI sobre a revenda do produto importado visa justamente tributar a margem de lucro do importador na revenda do produto importado somente revendido, equiparando-se, assim, segundo referido voto, o tratamento fiscal aplicável a um industrializador nacional que vende o mesmo ou similar produto fabricado no Brasil, com a sua margem de lucro integralmente tributada pelo IPI, atendido somente o princípio da não cumulatividade.
O Ministro vencedor também destacou o julgamento sobre a matéria pelo E. STJ, em especial na parte em que descreve a função extrafiscal do IPI, de tributo regulador de mercado como:
“instrumento indutor da atividade econômica e industrial do País”, e acrescentou ainda que:
“não caberia estender tratamento mais favorecido ao produto industrializado no exterior, tornando a carga tributária incidente sobre o bem importado inferior àquela que grava o bem nacional”, destacando que “no primeiro caso, ao submeter o produto importado a algum tipo de industrialização no Brasil, fomenta-se a atividade econômica interna e gera-se empregos; enquanto, na revenda da mercadoria que já foi importada pronta e acabada, sem a necessidade de qualquer beneficiamento, atende-se, quando muito, à demanda do mercado de consumo, sem dinamização da economia nacional.” 17
Ocorre, todavia, que ao assim decidir, o voto do Ministro Relator para acórdão e o consenso que se formou a partir de tal voto sobre a matéria, por maioria de votos (6 x 4), acabaram por perpetrar justamente a discriminação do produto estrangeiro, quando importado e revendido simplesmente, fazendo-se, para tanto, equivocamente com a devida vênia, a comparação dessa situação com a carga tributária do industrial brasileiro. E tal decisão foi alta e declaradamente, como visto pelos trechos destacados acima, influenciada por razões nítidas de protecionismo nacional e de proteção de empregos no Brasil, como escrito no voto vencedor.
Ocorre que essa situação analisada pelo E. STF, do industrial, não poderia ser utilizada como paradigma de comparação por ser totalmente distinta da importação para revenda. Com efeito, a comparação correta para fins de análise de discriminação ou não seria com a do comerciante atacadista que compra da indústria nacional e revende, sem industrializar, produtos nacionais, não fazendo incidir assim o IPI sobre a margem de lucro do comerciante, tal qual deveria ocorrer com outro comerciante que em vez de produtos nacionais comercializasse produtos importados.
Ademais, o argumento de que a legislação infraconstitucional é compatível com esse tratamento diferenciado aplicado ao produto importado quando adquirido para simples revenda também acaba por limitar o alcance dos Tratados Internacionais firmados pelo Brasil, em atentado ao princípio da boa-fé e à regra pacta sunt servanda, a que se refere a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, promulgada internamente pelo Decreto Federal n. 7.030, de 14 de dezembro de 2009, quando estabelece nos arts. 26 e 27, respectivamente, que “Todo tratado em vigor obriga as partes e deve ser cumprido por elas de boa fé” e “Uma parte não pode invocar as disposições de seu direito interno para justificar o inadimplemento de um tratado”.
Realmente, na análise da igualdade não se pode pretender, ainda mais por razões e políticas internas de proteção do mercado e do emprego nacionais, comparar situações que não sejam equivalentes, distorcendo assim o princípio da não discriminação. Ou seja, se comparadas situações iguais, operações realizadas por comerciantes, não industriais, quando comercializam produtos nacionais e quando comercializam produtos importados, é óbvia e clara a diferenciação de tratamentos nessa situação equivalente, entre o produto nacional e o importado, e a contrariedade ao princípio da não discriminação prestigiados no GATT e pela OMC.
Por isso entendemos que seria muito importante se a Suprema Corte do país revisse o seu entendimento acima visto, o qual, com o devido respeito, em nosso entendimento, é equivocado, e assim enviasse uma mensagem ao Mundo, de que o Brasil cumpre os Tratados Internacionais que firma, havendo confiabilidade em nossas leis e principalmente em instituições democráticas, dentre elas o STF, fazendo valer, de fato, para situações efetivamente comparáveis e não outras e nem tampouco por razões protecionistas, por mais nobres que sejam, o princípio da não discriminação, na faceta do tratamento nacional, exata e na mesma medida em que interpretado pela Organização Mundial do Comércio. Tudo isto em conformidade com o quanto defendido e construído junto àquela entidade internacional, pela Nação Brasileira, em todos os seus pleitos realizados e julgados perante aquele organismo, quando envolvido o interesse do Brasil de assegurar igualdade de condições para seus produtos e serviços exportados para todo o globo.
Esperemos que o STF reveja a sua análise, para o bem do Brasil, já que o mesmo expediente de comparação de coisas distintas pode ser utilizado por todos os países que importam produtos brasileiros ou para os quais pretendamos exportar, justamente para se criar uma verdadeira reserva de mercado protecionista, contra os produtos nacionais brasileiros, jogando assim por terra todo o trabalho do próprio Brasil na sua intensa e bem sucedida atuação junto aos órgãos de julgamento da Organização Mundial do Comércio.
Concluímos, assim, que o Brasil, além de signatário do GATT, é um dos mais ativos defensores na OMC, do sentido amplo, generoso, prático e finalístico, do princípio da não discriminação tributária, que impede assim a adoção de justificativa falsa, desproporcional, materialmente desnecessária ou inadequada, para a oneração tributária e de qualquer natureza de produtos importados de forma mais gravosa do que produtos nacionais, em manifesta reserva de mercado.
Esse sentido, conferido pela OMC, às disposições do GATT, vincula o Estado Brasileiro e inclusive o seu Poder Judiciário.
Sendo assim, não pode o Brasil, por uma questão de coerência, boa-fé e de pacta sunt servanda, defender posição antagônica ao que serve aos interesses nacionais quando da defesa dos produtos exportados por nós, sob pena de enfraquecer suas posições internacionais, defendidas até hoje, e de fazer ruir todo o sistema de proteção da livre concorrência e do comércio internacional, construídos desde o final da Segunda Guerra Mundial, para promover o desenvolvimento não somente de um ou outro produtor especificamente, mas de todas as populações, as quais, inquestionavelmente, se beneficiam muito mais do desenvolvimento gerado pela intensificação do comércio internacional entre as nações, do que pela onda de protecionismo que de tempos em tempos assola o mundo, como parece vir um tsunami chamado Trump.
Julgamento OMC: https://www.wto.org/english/tratop_e/dispu_e/cases_e/ds2_e.htm.
Julgamento OMC: https://www.wto.org/english/tratop_e/dispu_e/cases_e/ds8_e.htm.
Julgamento OMC: https://www.wto.org/english/tratop_e/dispu_e/cases_e/ds75_e.htm.
Julgamento OMC: https://www.wto.org/english/tratop_e/dispu_e/cases_e/ds568_e.htm.
EREsp n. 696.713/RS, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Seção, julgado em 27.06.2007, DJ 03.09.2007. Disponível em: https://scon.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=200501017050&dt_publicacao=03/09/2007.
STF, RE n. 229.096, Rel. p/ Acórdão Min. Cármen Lúcia, Tribunal Pleno, DJe 11.04.2008. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=520131.
REsp n. 871.760/BA, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Seção, julgado em 11.03.2009, DJe 30.03.2009. Disponível em: https://scon.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=200601642242&dt_publicacao=30/03/2009.
EREsp n. 1.403.532/SC, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Rel. p/ Acórdão Min. Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, julgado em 14.10.2015, DJe 18.12.2015. Disponível em: https://scon.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=201400347460&dt_publicacao=18/12/2015.
RE n. 946.648, Rel. p/ Acórdão Alexandre de Moraes, Tribunal Pleno, julgado em 24.08.2020, processo eletrônico repercussão geral – mérito DJe-272, divulg. 13.11.2020, public. 16.11.2020. Disponível em: file:///C:/Users/perisson.andrade/Downloads/texto_15344973157.pdf.
Perisson Andrade
Advogado tributarista e corporativo e profissional de compliance com certificação internacional - CCEP-I (Certified Compliance and Ethics Professional - Internacional). Sócio Fundador do escritório Périsson Andrade, Massaro e Salvaterra Advogados. Mestrando em Direito Internacional Tributário pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT. Especializado em Legislação Americana pela George Washington University Law School e pelo IUSLAW Institute, em Direito Societário pelo Ibmec-SP e em Direito Tributário pela FGV.