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CIVIL - 27 DE MARÇO DE 2020
COVID-19: O INSTITUTO DE FORÇA MAIOR PARA SUSPENSÃO
DE OBRIGAÇÕES CONTRATUAIS

 

Diante do agravamento da pandemia Mundial do COVID-19, cujas consequências ultrapassam, e muito, o aspecto da saúde, e diante das recomendações governamentais do Estado de São Paulo e da Prefeitura do Município de São Paulo, inúmeras empresas precisaram suspender suas atividades (quarentena).

 

Com a finalidade de contenção do COVID-19 e em razão das graves repercussões financeiras da pandemia, algumas empresas podem se deparar com a impossibilidade de cumprimento de certas obrigações pactuadas e contratualmente assumidas e, assim, já se mobilizam e notificam os seus parceiros a respeito da impossibilidade de cumprimento dos contratos firmados, solicitando a suspensão da prestação de serviços e dos pagamentos, com base no instituto da força maior.

 

Tal conduta é cabível?

 

Toda vez que houver a caracterização de uma situação de força maior ou caso fortuito a lei dará tratamento especial aos contratos. Precisamos reconhecer que tanto o direito e os contratos possuem um objetivo principal que é dar estabilidade às relações humanas.

 

O artigo 393 do Código Civil estabelece que “o devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado” (como é o caso).

 

E, complementarmente, o parágrafo único traz a previsão de que este instituto somente é aplicável se os efeitos dele decorrentes forem imprevisíveis e inevitáveis. Parágrafo único. “O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir”.

 

Assim, não obstante o princípio da exoneração, deve haver um impedimento real e comprovado que justifique a impossibilidade de cumprimento do dever contratualmente assumido e não um pretexto genérico.

 

Contudo, se o impedimento, embora real, for apenas temporário (como o caso, espera-se), o cumprimento da obrigação deverá, a princípio, ser suspenso, salvo se o atraso dele resultante justificar a rescisão do contrato. Se o impedimento for definitivo, o contrato, em regra, deverá ser rescindido, restabelecendo-se, sempre que possível, o status quo ante.

 

Vale lembrar que quando se fala em suspensão do contrato, ambas as partes deixam de cumprir com sua obrigação, ou seja, a contratada deixa de prestar serviços e, consequentemente, deixa de receber, e vice-versa.

 

Se no contrato as partes já prevêem os fatos que se moldam (ou não) como de força maior, chegando a quase renunciar ao direito de exoneração do cumprimento de determinada obrigação, assume-se voluntária e inteiramente os riscos, o que igualmente devem ser analisados.

 

Embora não o defina, o Código Civil prevê que a exclusão de responsabilidade de um contratante de cumprir suas obrigações, fundamentada em força maior, deve estar mencionada em contrato. Sua inexistência vincula o contratante a executá-la.

 

Para identificar se determinada empresa pode ou não se valer da excludente de responsabilidade, há de ser avaliar, caso a caso, as disposições contratuais, tais como condições gerais do negócio; se a cláusula de exoneração por força maior está prevista no contrato e, em caso afirmativo, como é definida; se na ausência de disposição contratual, o coronavírus poderia ser interpretado como caso de força maior, etc.

 

Para se ter um parâmetro, a doutrina, prática contratual e jurisprudência, nacionais e internacionais, classificam força maior como um evento ou circunstância excepcional que (i) está além do controle dos contratantes, (ii) os mesmos não teriam condições de antevê-lo ou para ele se preparado, e (iii) sua ocorrência não é atribuível a nenhum dos contratantes.

 

Por estes critérios, a pandemia de Covid-19, que estão restringindo o trânsito de pessoas e de comércio tem as características comuns a um evento de força maior, embora seu enquadramento depende (i) como “força maior” é definido no contrato específico e, (ii) se aplicável, que extensão de isenção de responsabilidade é conferida à parte afetada.

 

O art. 421-A, inciso II do CC valida este espírito da lei ao dispor que a alocação de riscos (ex. força maior) definida pelos contratantes deve ser respeitada e observada:

 

Art. 421.  A liberdade contratual será exercida nos limites da função social do contrato.

 

Parágrafo único. Nas relações contratuais privadas, prevalecerão o princípio da intervenção mínima e a excepcionalidade da revisão contratual.

 

Art. 421-A.  Os contratos civis e empresariais presumem-se paritários e simétricos até a presença de elementos concretos que justifiquem o afastamento dessa presunção, ressalvados os regimes jurídicos previstos em leis especiais, garantido também que:

 

I - as partes negociantes poderão estabelecer parâmetros objetivos para a interpretação das cláusulas negociais e de seus pressupostos de revisão ou de resolução;  

II - a alocação de riscos definida pelas partes deve ser respeitada e observada; e

III - a revisão contratual somente ocorrerá de maneira excepcional e limitada.

 

Tal análise também deve ser permeada pela função social do contrato e a boa-fé objetiva.

 

Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.

 

Conforme entendimento Jurisprudencial, não há, automaticamente, um direito à revisão ou rescisão do contrato. É preciso verificar a duração e o impacto do caso fortuito ou força maior, bem como as previsões do contrato sobre as questões.

 

Ainda, há de se atentar para a data da celebração do contrato, pois, se firmado no início de 2020, é provável que a pandemia não seja considerada um caso de força maior, pois o requisito da imprevisibilidade não estaria suprido. Por outro lado, as medidas radicais de prevenção, a exemplo da quarentena determinada pelo Governo do Estado de São Paulo e Prefeitura do Município de São Paulo, determinando o fechamento dos estabelecimentos comerciais, inclusive shoppings, também não possuem precedentes, trazendo novamente à tona o debate a respeito da excludente de responsabilidade.

 

Não menos importante é analisar se, mesmo diante de possível previsibilidade, a execução deste contrato não se tornaria excessivamente onerosa para uma das partes, gerando um forte desequilíbrio contratual. Nesse caso, o devedor poderia se valer da regra contida no artigo 478 do Código Civil, que determina que, nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato.

 

Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.

 

Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar equitativamente as condições do contrato.

 

O entendimento de que a presente escalada de medidas restritivas ao trânsito de pessoas e de comércio se enquadra como evento de força maior depende do contrato em análise conter ou não sua previsão. Caso sim, deverá ser avaliado se a definição de “força maior” contempla situações de pandemias nos moldes do atual Coronavírus. Caso não, os contratantes deverão, em princípio, cumprir suas obrigações contratuais para evitar inadimplemento e suas consequências.

 

O problema da alteração das circunstâncias, por seu caráter excepcional, obviamente depende sempre de uma análise circunstancial. De forma mais analítica, o problema depende de diversos fatores, como:

 

  • Natureza do contrato: de longo ou curto prazo; tipo contratual; natureza das obrigações contratadas (de meios, de resultado ou de garantia); se o contrato é comutativo ou aleatório.
  • Existência de cláusulas a respeito do tema.
  • Ramo do direito aplicável ao contrato: se sujeito ao direito civil, direito do consumidor, direito do trabalho, direito administrativo etc.
  • Ramo de atividade da parte contratada afetada pela alteração das circunstâncias.
  • Verificação do real impacto das novas circunstâncias sobre a capacidade da parte contratada de cumprir suas obrigações.
  • Existência ou não de alternativas para que, a despeito das novas circunstâncias, a parte contratada continue a cumprir suas obrigações.
  • Apuração à luz do direito, em especial da boa-fé objetiva, para verificar se as medidas tomadas pela parte contratada podem ser consideradas razoáveis, seja para, na medida do possível, continuar a cumprir suas obrigações, seja para proteger outros interesses (por exemplo, a saúde de seus colaboradores).

 

Evidente que, afora as previsões legais, deve-se ter em mente que, em circunstâncias excepcionalíssimas como esta, há uma tendência inata de as partes buscarem meios de minimizar os seus prejuízos, partindo da premissa de que o seu problema é maior do que o do outro, mas, em tempos de crise, há de se ter bom senso.

 

Valer-se de regras comuns, de entendimentos aplicados em situações ordinárias, de cláusulas rígidas e de legislações hiper protecionistas não parece ser o melhor caminho, afinal o Direito é evolutivo e, diante da criticidade do momento, é prudente que, além da revisão das obrigações pactuadas, busquem meios alternativos de solucionar os seus conflitos.

 

 

Nossa equipe encontra-se à disposição para esclarecer quaisquer dúvidas.

 

Atenciosamente,

 

 

PERISSON ANDRADE, MASSARO E SALVATERRA  ADVOGADOS

 

 

 

 

 

Perisson Andrade 

Advogado tributarista e corporativo e profissional de compliance com certificação internacional - CCEP-I (Certified Compliance and Ethics Professional - Internacional). Sócio Fundador do escritório Périsson Andrade, Massaro e Salvaterra Advogados. Mestrando em Direito Internacional Tributário pelo IBDT. Especializado em Legislação Americana pela George Washington University Law School e pelo IUSLAW Institute, em Direito Societário pelo Ibmec-SP e em Direito Tributário pela FGV. 

Gabriela Salvaterra

Pós-graduanda em Direito Empresarial pela Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP). Pós-graduada em Direito Civil e Direito Processual Civil pela Escola Paulista de Direito (EPD) e graduada pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo. Sócia da área civil do escritório Perisson Andrade, Massaro e Salvaterra Advogados. 

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